Depois de décadas marcando o calendário cinematográfico com lançamentos anuais, Woody Allen alterna entre telas e páginas y apresenta-se pela primeira vez como romancistaSua estreia literária completa acontece em um momento em que sua atividade por trás das câmeras diminuiu, mas sua voz criativa continua a todo vapor.
Sob o título What's Up with Baum?, a obra é publicada em inglês pela Post Hill Press e na Espanha pela Aliança Editorial, traduzido por Manuel de la Fuente. Allen, que já havia publicado roteiros, contos, peças de teatro, ensaios e suas memórias A propósito de nada, dá o salto para o romance com um tom muito reconhecível para seus seguidores.
Enredo e personagem: Asher Baum sob o microscópio

O protagonista, Asher Baum, é um escritor nova-iorquino de meia-idade que combate a ansiedade, a hipocondria e a insegurança Enquanto tenta entrar na ficção e no teatro, sua prestigiosa editora fecha as portas para ela, e sua vida amorosa enfrenta turbulências em seu terceiro casamento.
Baum começa a falar consigo mesmo em diálogos internos que funcionam como catarse cômica e confessionalAo mesmo tempo, a suspeita toma conta dele: ele teme que seu irmão mais novo, impecável e bem-sucedido, tenha se aproximado demais de sua esposa, Connie, e está preocupado com o relacionamento próximo dela com seu filho, Thane, um jovem escritor iniciante.
O romance não evita o humor físico ou os mal-entendidos: desde situações domésticas absurdas até percalços que beiram o ridículo, Allen explora o contraste entre cidade e campo para acentuar os fantasmas de seu personagem: Manhattan lhe oferece barulho e refúgio, a casa de campo lhe devolve silêncios retumbantes.
Um episódio com um jornalista admirador desencadeia problemas de reputação para Baum, que se sente ameaçado pelo clima de cancelamento. Soma-se a isso um segredo literário que, se tornado público, poderia explodir seu ambiente familiar:O brilho do sucesso do enteado não é tão claro quanto parece.
O mosaico de obsessões — medo da morte, falta de sentido, ciúme, busca por reconhecimento — compõe um retrato no estilo da sátira existencial. Baum é o anti-herói clássico de Allen.: neurótico, às vezes brilhante, quase sempre desorientado.
Temas, tons e traços do universo Allen

O que está acontecendo com Baum? reúne o leitor com os motivos recorrentes do autor: ironia, jazz, Manhattan, amor outonal e uma visão cética do sucesso. O diálogo interno do protagonista lembra tradições literárias como a de Unamuno e sua brincadeira com a consciência.
A sátira atinge o ecossistema editorial: editores que pedem para adoçar a mercadoria, críticos que pontificam, Autores de best-sellers transformados em caricaturas e o escritor vocacional tentando sobreviver por meio da engenhosidade. O livro faz uma referência ao seu próprio cinema, e não é surpresa que alguns vejam aqui um roteiro prolixo que poderia funcionar com uma narração.
O pano de fundo histórico e cultural emerge em referências a grandes nomes e episódios do século XX, com reflexões sobre o totalitarismo e o absurdo. Essas presenças, distantes do pedantismo, aparecem como vestígios de leitura e conversação do próprio personagem.
- Referências literárias e musicais: Dostoiévski, Kafka, Tchekhov, Billie Holiday, Auden, Burns e Lorenz Hart.
- Cenários fetichistas: The Strand, Washington Square, restaurantes icônicos e apartamentos neuróticos.
- Recursos formais: autodiálogos, humor seco, paródia do narcisismo urbano.
Entre as passagens mais coloridas, desfilam queixas dermatológicas, crises de pânico e alguns acidentes rurais; A comédia física coexiste com o ceticismo filosófico, uma mistura de assinaturas que aqui pende para a sátira do mundo literário.
Recepção crítica e detalhes da edição

Na Espanha, a publicação é responsável por Aliança Editorial, enquanto a versão original em inglês é publicada pela Post Hill Press. A tradução para o espanhol é de Manuel de la Fuente, e o lançamento gerou interpretações conflitantes em ambos os lados do Atlântico.
O crítico e professor Andrés Amorós colocou o livro como uma obra muito Allen: legível, engenhosa, engraçada, mas menor em termos estritamente literáriosSeu diagnóstico resume um sentimento generalizado: há faísca e ritmo, embora tudo possa parecer repetitivo até que surja um dilema moral significativo.
Algumas críticas internacionais destacam a exploração da cultura nova-iorquina, as piadas internas e um certo senso de autoparódia. Outras críticas também foram pequenos tropeços de edição na versão original, sem manchar o perfil de leitura leve que muitos buscam no autor.
O romance não escapa ao contexto que envolve o seu criador: o debate público sobre a sua figura continua presente, e o livro inclui uma dedicatória a Logo-Yi Previn. No geral, What's the Mater with Baum? se sustenta por si só, conversando com o leitor por meio de comédia amarga e confusão vital.
Com esta primeira incursão no romance, Allen acrescenta um capítulo diferente à sua bibliografia: uma sátira urbana de ritmo acelerado sobre sucesso, culpa e necessidade de ser ouvido, que dialoga com seu cinema sem depender dele.