111 anos se passaram desde o nascimento de Julio Cortázar., figura-chave da narrativa em língua espanhola, cuja obra transformou a maneira como lemos e contamos histórias. Nesta data, sua biografia, sua escrita e seu engajamento com a realidade voltam a ser escrutinados, não por nostalgia, mas porque validade e capacidade de nos desafiar.
Mestre da forma curta e do romance que desobedece, Cortázar deixou um rastro de livros, cursos e cartas que explicam por que ele continua sendo lido com devoção. Entre seus heróis editoriais estão Bestiário e Amarelinha, mas também os cronópios, os famas e uma forma de pensar a profissão que o colocou como intelectual ativo de seu tempo.
Vida, formação e percurso até Paris

Ele nasceu por acaso em Ixelles (Bruxelas) em 26 de agosto de 1914, no contexto da Primeira Guerra Mundial. De lá, ele foi com sua família para Suíça e Espanha antes de se estabelecer em Banfield (província de Buenos Aires). doença infantil Manteve-o de cama por muito tempo e, em troca, lançou-o numa leitura voraz que moldou sua sensibilidade.
Na década de trinta obteve o título de mestre (1932) e começou a estudar Filosofia e Literatura. Deu aulas e publicou críticas, e trabalhou como professor em Bolívar, Saladillo e Chivilcoy, e também na Universidade Nacional de Cuyo, em Mendoza, até renunciou por motivos políticos.
Em 1951 mudou-se para Paris com bolsa de estudos, iniciando um exílio escolhido que seria definitivo. Lá trabalhou como tradutor na UNESCO e viajava com frequência. A tradução de Edgar Allan Poe, entre outras, impactou sua imaginação e deixou sua marca em suas primeiras histórias.
Ele forjou seu nome com Bestiário (1951), ele acrescentou mais tarde As armas secretas y Os Prêmios (1960) —concebido em parte durante as xícaras no bar London City—, antes do grande salto com Amarelinha (1963). Mais tarde, suas palestras universitárias de 1980 em Berkeley foram publicadas como aulas de literatura (2013, publicação póstuma).
Ele morreu em Paris, 12 de fevereiro de 1984 devido a uma leucemia, aos 69 anos. Seu legado não se limita à experimentação formal: referência à liberdade estilística e rigor literário, seguidores ao redor do mundo o consideram uma referência de liberdade estilística e rigor literário.
Obras, ecos e compromisso público

Amarelinha Foi um choque para a narrativa em espanhol: 155 capítulos, leitura não linear com um “quadro” que convida a começar no capítulo 73 e pular, e um casal inesquecível —Horácio Oliveira e a Maga—. O que foi chamado de “anti-romance” fazia o leitor decidir como seguir em frente e brincar com possíveis finais.
Seu papel na Boom latino-americano Ele o relacionou a Borges, Vargas Llosa, Fuentes e García Márquez. Gabo chegou a descrevê-lo, em essência, como uma personalidade avassaladora em público e cativante em privado, e celebrar o poder — e a beleza — de uma obra destinada a durar.
Com Histórias de Cronópio e Famas (1962) levantou uma taxonomia lúdica de comportamentos humanos —a cronópios, os famas e esperanças— e ensaiou instruções e olhares excêntricos sobre a vida cotidiana. Em suas histórias de Todos acendem o fogo o As armas secretas encontrou o ponto exato onde ele o fantástico perfura o real, como em “The Southern Highway” ou “House Taken Over”.
A suas aulas de literatura (Berkeley, 1980; edição de 2013) revelam o ensinamento de Cortázar: conversas sem solenidade, workshop ao vivo sobre seu ofício e a gênese dos textos.
Estes são alguns obras essenciais para entrar em seu universo e encorajá-lo a leia mais histórias e contos:
- Bestiário (1951) — livro-chave de histórias antigas.
- Cronópios e histórias de fama (1962) — humor, poesia e classificação lúdica da realidade.
- Amarelinha (1963) — quebrando a ordem narrativa tradicional.
- Prêmios (1960) — um romance concebido entre conversas e cafés de Buenos Aires.
- Todos acendem o fogo (1966) — histórias onde o fundo falso da vida cotidiana queima.
- Livro do manuel (1973) — um compromisso político e vital em sua jornada.
O seu envolvimento público não foi uma declamação: foi presença e ações concretasEm 1967, em carta a Roberto Fernández Retamar, definiu o escritor como testemunha de seu tempo, comprometido com a justiça social sem transformar a arte em panfleto. Essa tensão ética também fica evidente em sua “Carta Aberta a Francisco Urondo”.
Em 1973, ele estrelou uma cena que se tornou lendária: Ele apareceu de madrugada na prisão de Devoto para visitar amigos presos (entre eles Paco Urondo e Pedro Cazes Camarero). Após exigir entrada, sentou-se para conversar, ele trouxe dinheiro —uma espiadinha em Livro do manuel, de acordo com relatos — para apoiar parentes de presos políticos e acabou canalizando essa ajuda para figuras como Ortega Peña e Duhalde. Esse gesto resume sua mistura de humor desarmante e convicção solidária.
Livro do manuel Foi recebido com controvérsia porque seu dimensão política deslocou o fantástico. Para ele, porém, simbolizava um passo maior: de mim para você (ou vos), uma mudança ética e literária que ele afirmou ser central para seu trabalho.
Em seu último retorno à Argentina (1983), ele já estava com a saúde debilitada; logo retornou a Paris. A leucemia o derrotou em 1984., mas sua voz permaneceu em contos, romances, cursos e poemas —como o texto duro e amoroso La pátria, que aborda de forma intransigente a identidade e o país.
Lembrando Cortázar hoje Trata-se de retornar a um autor que fez da imaginação uma forma de pensar, do humor uma ferramenta crítica e da escrita um lugar de risco: leitor, professor, tradutor, narrador e cidadão que ainda nos convida a uma leitura diferente e a um olhar para a realidade sem atalhos.