
O outdoor do terror vive uma reviravolta com a chegada de Devolva-me isso, o segundo filme dos irmãos Danny e Michael Philippou, responsáveis pelo sucesso "Fale Comigo". A nova obra impressiona pela abordagem crua e realista do sofrimento infantil, colocando o espectador diante de uma reflexão incômoda que, em vez de assustar, perturba profundamente pela minuciosa representação da dor.
Nesta ocasião, os Philippous abandonam o jogo adolescente e sobrenatural do seu filme de estreia para se aprofundarem territórios muito mais sombrios e emocionalmente exigentesO que eles oferecem não é terror convencional; aqui, o horror é vivenciado por meio de situações domésticas, luto não resolvido e relacionamentos familiares rompidos, gerando no espectador uma sensação física de angústia raramente vista nos últimos tempos no gênero.
Uma história cruelmente realista

O enredo de Devolva-me isso A história gira em torno de dois irmãos órfãos, Piper e Andy.Piper, a caçula da família, além da recente perda do pai, enfrenta o desafio da cegueira. Devido à sua condição, ambos precisam ficar sob a tutela de Laura, uma mãe adotiva assombrada pela dor da própria filha falecida. A atmosfera no novo lar torna-se cada vez mais sinistra, alimentando um clima de tensão e suspeita que se intensifica até dominar tanto os protagonistas quanto o espectador.
O roteiro, escrito por Danny Philippou e Bill Hinzman, evita sustos fáceis e opta por criar uma atmosfera opressiva e angustiante, onde a violência e o desconforto são tão palpáveis quanto o próprio medo. Embora a presença de elementos sobrenaturais seja notável, eles são subordinados à dinâmica humana e à revelação gradual de um ritual perturbador que ameaça os personagens.
Direção, elenco e tom visual

O tandem australiano formada pela família Philippou, abandona a estética digital e frenética de seus primórdios no YouTube (sob o pseudônimo RackaRacka) para optar por uma ritmo lento, edição precisa e uma encenação elaborada e difícilO diretor de fotografia Aaron McLisky captura imagens poderosas que mergulham o espectador em um estado constante de inquietação, destacando cenas carregadas de simbolismo e iluminação que reforça o caráter sombrio da história.
No nível de atuação, Sally Hawkins entrega uma performance excepcional, conseguindo um retrato de Laura que oscila entre o maternal e o aterrorizante, conseguindo uma profundidade emocional que poucos filmes do gênero conseguem. Os jovens Billy Barratt (Andy) e Sora Wong (Piper) também transmitem vulnerabilidade e resiliência, enquanto Jonah Wren Phillips traz um toque de inquietação ao seu papel como Ollie, outra criança sob os cuidados de Laura.
Do trauma ao terror poético
A grande conquista de Devolva-me isso é a sua capacidade de transcender o típico “terror elevado” e mergulhar em traumas e emoções profundas de seus personagens. Os Philippous demonstram, como fizeram em sua estreia, uma habilidade especial para ligando o horror aos sentimentos humanos, rejeitando a distância cínica que caracteriza alguns cinemas de terror contemporâneos.
A dor da perda e do luto permeia todo o filme, gerando um desconforto que é intensificado pela ausência de concessões morais ou momentos de alívio cômico. As sequências mais brutais não visam chocar gratuitamente, mas sim testar a empatia do espectador, transformando-o em testemunha e participante de um pesadelo perturbador e muito real.
O filme brinca com referências mitológicas e rituais, embora o desenvolvimento do enredo seja mais intuitivo do que lógico. Isso pode ser desconcertante para quem prefere explicações detalhadas, mas reforça a sensação de impotência e estranheza que permeia a história.
Impacto e legado
Desde a sua estreia, Devolva-me isso tornou-se uma das produções mais comentadas e polêmicas do cinema de terror recente. Os críticos elogiaram tanto sua ousadia formal e narrativa como a crueza com que retrata o sofrimento infantil. Para alguns, é excessivo e quase insuportável, enquanto outros apreciam sua inovação em um gênero frequentemente repetitivo.
O final do filme, sem cair em soluções morais fáceis, solidifica os filipenses como autores que transformam o medo em uma experiência visceral e emocionalA proposta visual e narrativa marca um avanço na evolução do terror contemporâneo, deixando uma marca significativa no gênero.
Este filme desafia aqueles que buscam histórias que rompam com clichês, abrindo novos caminhos para explorar a dor humana e as emoções extremas. A coragem dos irmãos Philippou, aliada ao talento do elenco e ao uso ousado da linguagem visual, tornam este filme um sucesso. Devolva-me isso uma obra que nos convida a refletir além do simples medo.
